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Resenha do espetáculo, por Juliano Sawa

  • Foto do escritor: teatroluscofusco
    teatroluscofusco
  • 16 de jul. de 2019
  • 4 min de leitura

Atualizado: 18 de nov. de 2020

Leia a seguir resenha do espetáculo escrita pelo ator e artista-docente Juliano Sawa, cuja publicação foi autorizada pelo autor.

Crédito da foto: Gustavo Zoppello

"Cantos de Coxia e Ribalta" é o atual espetáculo da Cia Lusco-Fusco, que completa catorze anos de trabalho. Há cerca de cinco ou seis anos, tive um breve contato com o ator e dramaturgo Gustavo Dittrichi, mas a peça em questão foi a primeira da equipe que assisti. Trata-se de um musical e, sendo assim, permeado de linguagem narrativa e, pelas impressões que tive, há nele uma plena necessidade de dividir uma grande paixão conduzida por um sensível, afetuoso e convicto olhar. Ao assistir esse trabalho, se confirmou toda singeleza observada nas palavras de Dittrichi anos atrás. Penso que é justamente aí que se distingue uma obra de esfera verdadeiramente poética diante das amarras comerciais, políticas e de puro virtuosismo que tanto nos cercam.

No teatro à italiana, um grupo de artistas-criadores narra as histórias de outro grupo de artistas. A ficção começa logo com um cartaz “precisa-se de artistas”. Precisam-se pessoas que possam embarcar no devaneio e em um desafio de ternura. São rebentos de histórias com representação simbólica pueril. As histórias historiadas são repletas de música e dança, convencionando assim os fragmentos poéticos em estações que manipulam o tempo. Logo no início, um poeta apresentador, na figura de arlequim, já nos convida a sair da rotina ordinária e uma outra narradora anuncia um trem com destino ao futuro. Uma moeda é dada pelo poeta a um garoto de rua. E a troco de quê? Do tempo e da sensibilidade daquele jovem. E em que resultará esse ato do poeta?...

Uma cigana, outros poetas e dançarinos dão a premissa das sagas que se seguem. Surge um personagem mercador poeta e as fábulas se entrelaçam num engenho a partir de então, mais incontrolável à nossa razão. Uma atriz jovem surge para um teste, os artistas se fazem boêmios, até nos esbarramos nos prazeres mundanos de um prostíbulo. São conduzidos, nesse narrar, o diretor do grupo que arrisca e perde tudo em meio a crises; a feliz faxineira do teatro, com a triste lembrança do preconceito que existe sobre quem é artista; a primeira atriz e o embate entre as tradições e a inovação; o tributo pago pela vida, o envelhecer e a necessidade de repassar a esperança no amanhã para que a roda continue girando. O amor ora vale ouro, ora poesia. Casos que se confundem com a história de cada um, em um campo dentro ou fora da esfera da arte, encorpado de devassidões, com uma mistura de vender a vida pelo prazer. Mas esse prazer, traduzido nessa obra, é o entusiasmo de se fazer arte.

Crédito da foto: Gustavo Zoppello

Pois bem, o espetáculo traz a atmosfera de show circense, de magia com elementos em cena que são caixas surpresas, com estruturas de banda musical e apetrechos reveladores das inspirações e canções, as cenas, os diálogos e a metalinguagem (de falar do teatro no teatro). E sendo assim, reflete com a plateia sua fome pelo encontro; mesmo, penso eu, se deparando com diversas crises que estamos vivendo de formação de público, por exemplo, do “querer a casa cheia”, uma vez que se busca o fenômeno dessa relação perene e efêmera.

Crédito da foto: Gustavo Zoppello

Há elementos simbólicos, materializados e sugeridos por canções, que amarram questões-chave do espetáculo: um relógio gigante centralizado e o tempo que corre no jogo entre passado, presente e futuro, um trem que tem seu destino e sabe por vezes deixar tudo para trás, um trilho por onde tropeçar, se ferir e recomeçar, estações que nos lançam a desafios constantes de sobrevivência, balões coloridos de inocência e doçura a que podemos pertencer, e uma garrafa de poção mágica que repassa a esperança e o amor que nos movem por pura felicidade e também pelo reconhecimento de fragilidade.

Crédito da foto: Gustavo Zoppello

Revela-se no entrecho da peça o funcionamento e a forma como caminha e se estrutura um grupo de artistas, a inconsistência no processo de se encontrar nesse mundo. As cenas trazem situações paralelas que se confundem com o próprio fazer teatral, envolvem fábulas simétricas que coexistem à narrativa convencionada com sua assistência. Os artistas da narrativa se tornam personagens de outras narrativas que se encaixam na dinâmica em que transcorre o espetáculo. Ora temos um poeta e um músico, que pensaram no argumento, e que contam sua própria experiência sob o corpo de narrador, que transpõem seus comparsas para histórias de outros artistas e que contam histórias que se confundem com as deles próprios, e com a nossa também. É o que senti e vivenciei, sem muitas chances de se organizar e resolver o que as coisas são. Visto que, parafraseando as falas do poeta na peça, “é na falta de resolução que a música se torna amor”. Um pequeno tratado sobre o amor à vida (na arte), na necessidade de se fazer arte pelo transbordamento do afeto que se dá, um amor nascido de feridas, e com urgência de tomar forma em uma condição derradeira. Como estando num último dia de vida...

Crédito da foto: Gustavo Zoppello

A peça avança sob várias informações de sons, cores, formas, transcorrendo por diversas atmosferas num jogo cênico que nos transporta a diversas espacialidades. Assim, atravessa-nos como um sonho alternado com a vida real, por vezes a tristeza de um é invadida pela alegria do outro, estabelecendo-se plena poesia.

Costuma-se pensar que a arte caminha na contramão do que a sociedade deseja e se transforma; mas suponho que seja exatamente o contrário, a sociedade é que caminha na banalidade e contra o que realmente importa. Não é à toa que o poeta é morto no final de uma história em busca de um epílogo, morto por um menino a quem compartilhou seu sonho e sua causa. Sendo assim, revelam-se os caminhos estreitos em que o significado maior da vida – representado na figura do poeta – tem de percorrer, sucumbindo por fim nas famigeradas garras de uma sociedade em declínio.

Crédito da foto: Gustavo Zoppello

Usei, por vezes, as palavras vida e amor. Procurei sinônimos, mas parecem que, pelas sensações que carrego, são as que traduzem grande parte do que posso dizer.

Juliano Sawa é ator e artista-docente, graduado em licenciatura em teatro pela Universidade de Sorocaba. Construiu sua formação artística através de trabalhos, oficinas e espetáculos em diversos grupos teatrais no interior do estado de São Paulo. É diretor e proponente do projeto de extensão teatral Os Farropas, vinculado à Escola Estadual Brigadeiro Gavião Peixoto, na periferia da capital paulista onde atua como professor efetivo de Arte desde 2009. Recentemente concluiu o Curso de Atuação na SP Escola de Teatro.

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Um espetáculo da

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Produção e Realização

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Cia. de Teatro Lusco-Fusco apresenta CANTOS DE COXIA E RIBALTA, um espetáculo musical original de Alef Barros & Gustavo Dittrichi.

IDEIA ORIGINAL & ARGUMENTO Gustavo Dittrichi. MÚSICA de Alef Barros. DRAMATURGIA Gustavo Dittrichi (com base nas experimentações dos artistas). ARRANJOS MUSICAIS Dario Ricco e Hiago Guirra. ARRANJOS VOCAIS e DIREÇÃO MUSICAL Joyce Roldan.  DIREÇÃO GERAL & ENCENAÇÃO Gustavo Dittrichi. Assistente de Direção Cênica Carol Silveira. COREOGRAFIAS E PREPARAÇÃO CORPORAL Wellington Adélia. CENOGRAFIA Jéssica Dittrichi. FIGURINOS E INDUMENTÁRIA Gustavo Dittrichi & Pedro Aldozza / Croquis originais de Figurinos: Pedro Aldozza / Costura e Confecção: Jacinta de Fátima Feitosa, Gustavo Dittrichi, Maria Parlângelo, Mari Perin, Gabriela Perin, Isabella Costa e Wellington Adélia. MAQUIAGEM Gisele Santos. PRODUÇÃO EXECUTIVA Gustavo Dittrichi. Assistentes de Produção Alan Andrade e Juju Bac. ELENCO Gustavo Dittrichi, Carol Silveira, Igor Patrocínio, Joyce Roldan, Nina Vettá, Rodolfo Mozer, Isabella Costa, Beatriz Belintani, Rodrigo Ruffeil, Beatriz Poza e Belle Sena

Iluminação Juju Bac. Sonoplastia Grégory Damaso. Microfonista Alan Andrade.

Agradecemos imensamente aos colaboradores que participaram do processo: André Sakajiri, André Oliveira, Andressa Lelli, Breno Manfredini, Beatriz Santiago Príncipe, Beatriz Castro, Carine Desiderá, Gabriela Perin, Heitor Moretti, João Said, Karine Luiz, Lilian Prado, Lucas Zamaia, Rodrigo Odone, Yasmim Ribeiro. Fotos de divulgação Allan Bravos, Gabriela Perin, Gustavo Zoppello e Juju Bac. Edição, arte e tratamento de imagem Dittrichi Comunicação e Design.

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